feliz. Digo primeiro que não é possível ser feliz. Felicidade
é coisa muito grande. O máximo que os deuses nos
concedem são momentos de alegria que, segundo
Guimarães Rosa, acontecem em “raros momentos de
distração”.
Às vezes a gente fica infeliz por causa de coisas
tristes: perde-se o emprego, uma pessoa querida morre...
Quando coisas assim acontecem, o certo é ficar triste.
Quem continuar alegre em meio a situações de dor é
doente. Alegria nem sempre é marca de saúde mental.
Há uma alegria que é marca de loucura.
Mas às vezes a nossa infelicidade se deve à nossa
estupidez e cegueira. Cegueira: isso mesmo. Olho bom
que não vê. Jesus diz que os olhos são a lâmpada do
corpo. Quando a lâmpada espalha luz, o mundo fica
colorido. Quando a lâmpada espalha escuridão, o mundo
fica tenebroso.
Você diz que é infeliz porque tem medo do futuro. Eu
também tenho. A Adélia Prado tem um verso em que diz
que o Paraíso vai ser igualzinho a esta vida, tudo do
mesmo jeito, com uma única diferença: a gente não vai
mais ter medo. Imagine que o presente é uma maçã
madura, vermelha, perfumada, deliciosa. Você se prepara
para comê-la, mas, de repente, percebe que dentro dela
há um verme. O nome dele é medo. De onde ele vem?
Do futuro. Estranho isso: o futuro ainda não aconteceu.
Ele não existe. Como é que um verme pode nascer do
que não existe? Não existe do lado de fora. Existe do
lado de dentro. Dentro da imaginação o futuro existe. O
verme nasce da alma. Para a alma, aquilo que é
imaginado existe. Como diz Guimarães Rosa: “Tudo é
real porque tudo é inventado”. A alma é o lugar onde o
que não existe, existe. Nossa imaginação perturbada
enche o futuro de coisas terríveis que assombram o
presente. Pode ser até que essas coisas terríveis venham
a acontecer. Por isso eu também tenho medo. Mas o
certo é viver a sua dor no momento em que ela vier, e
não agora, quando ela não existe.
Jesus diz que sabedoria é viver apenas o dia
presente. “Por que andais ansiosos pelo dia do amanhã?
Olhai os lírios dos campos... Olhai as aves dos céus...
Qual de vós, com sua ansiedade, será capaz de alterar o
curso da vida?” Os lírios do campo serão cortados e
morrerão. Também as aves do céu: o momento da sua
morte vai chegar. Mas os lírios e as aves não vivem no
futuro; vivem no presente. O fato é que aves e lírios vão
morrer, mas não sabem que vão morrer. Nós vamos
morrer e sabemos que vamos morrer. Em nosso futuro
mora um grande medo. É desse grande medo que vem o
verme...
Autor: Rubem Alves.
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